O presidente da Câmara lavou as mãos sobre indicação de Bia Kicis à CCJ para não se indispor com Executivo e o Judiciário
Para evitar sua primeira crise com o Executivo e com o Judiciário, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu lavar as mãos na disputa pelo comando da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
O parlamentar alagoano informou a deputados aliados que não irá desfazer o acordo com Bia Kicis (PSL-DF), mesmo diante da forte resistência ao nome da bolsonarista para presidir a principal comissão da Casa.
Lira, no entanto, também disse que não irá atuar para evitar o lançamento de um nome avulso com chances de derrotá-la. Segundo parlamentares governistas, ele tem até mesmo estimulado novas candidaturas para que a disputa legislativa seja resolvida no voto.
O movimento para impedir a eleição de Kicis conta com o resplado tanto de parlamentares que apoiaram a eleição do presidente da Câmara, como Republicanos e PSD, como de legendas que se aliaram ao bloco derrotado, como DEM, Cidadania, PC do B e PDT.
Como resumiram assessores presidenciais, em sua primeira semana no posto, o presidente da Câmara já enfrenta uma situação delicada, que, se não for bem gerida, pode avançar para uma crise institucional.
Se, por um lado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é defensor da candidatura de Kicis para fazer avançar pautas legislativas conservadoras, por outro lado ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) têm pressionado pela escolha de um nome que seja mais moderado para a função.
Na quarta-feira (3), Lira foi procurado por interlocutores de ministros do Supremo. Eles avisaram que a corte considera uma ofensa a indicação de Kicis, investigada no inquérito das fake news e que já criticou em mais de uma oportunidade o STF.
Segundo relatos feitos à reportagem, Lira chegou a consultar deputados do PSL sobre a possibilidade de uma mudança de nome para a CCJ, o que foi recusado pelo grupo bolsonarista do partido. Em paralelo, conversou com Kicis e disse que seu apoio está mantido.
Nesta quinta (4), a própria deputada iniciou uma operação para minimizar as resistências que enfrenta. Kicis passou a procurar um a um os líderes de partidos na Casa afirmando que respeitará a posição da maioria das siglas na hora de definir a pauta da comissão e que a postura dela como parlamentar não se confundirá com a de presidente da CCJ.
"Ela está demonstrando desprendimento e compromisso com decisões colegiadas dos líderes e isso vai melhorando o ambiente pra ela", avalia o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), 1º vice-presidente da Câmara.
A insistência do grupo bolsonarista da sigla no nome da deputada deve-se a uma estratégia de Bolsonaro de fazer avançar pautas conservadoras.
A indicação de Kicis fez parte de um acordo dentro do PSL que teve como contrapartida o aval da bancada ao nome de Luciano Bivar (PE), presidente da legenda, como 1º secretário da Câmara.
Além do apoio à procuradora aposentada na busca pelo comando da CCJ, a negociação envolveu a entrega da liderança do PSL ao ex-líder do governo na Câmara Major Vitor Hugo (GO).
Na semana passada, em café da manhã com parte da bancada federal do PSL, Bolsonaro disse aos deputados da legenda que, se Lira fosse eleito, seria a oportunidade para que a sigla ocupasse o máximo de espaço de poder na Câmara a fim de aprovar medidas que encontram simpatia em sua base eleitoral.
A parcela do PSL que é crítica a Bolsonaro, entretanto, já avalia se somar ao grupo que está montando uma candidatura avulsa para disputar a presidência com Kicis.
Um dos nomes que mais tem respaldo é o de Lafayette de Andrada (Republicanos-MG). Além do DEM e de partidos da oposição, a candidatura também teria amparo junto ao PSDB, MDB e até mesmo PP, partido de Lira.
A estratégia, em leitura parecida com a que Lira fez da situação, é deixar a candidata perder a eleição no voto. Assim, não seria possível alegar rompimento de acordo por parte do novo presidente da Câmara nem de Bivar.
No PSL, o grupo de Bivar defende a expulsão de Kicis no processo que ela enfrenta no partido. O conselho de ética da legenda já se reuniu para dar parecer sobre o assunto e caberá depois à direção nacional definir uma data para deliberar se aplicará sanção ou não.
"Ela responde a processo no partido e vamos ter de deliberar sobre o assunto. Ela responde por infidelidade partidária e deve ser expulsa", afirmou o deputado Júnior Bozella (SP), um dos vice-presidentes do PSL.
Os ministros do STF interpretaram o acordo de Lira com Kicis como uma primeira sinalização ruim da sua gestão no comando da Câmara.
Após os sinais emitidos pelo Supremo, integrantes da corte esperavam uma atuação mais incisiva do presidente da Casa para evitar a ascensão na CCJ de uma deputada crítica ao STF.
Os ministros do Supremo que votaram, no ano passado, pela autorização da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, questão derrotada em plenário, acreditam que a indicação para a CCJ prova que valia a pena fazer uma interpretação alargada da Constituição e permitir a recondução do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A avaliação é que a eleição de Lira pavimenta o caminho para a ocupação de funções importantes no Legislativo não só de Kicis, mas de outros deputados bolsonaristas alvos de inquéritos no Supremo por atacar ministros da corte.
Os magistrados ressaltam que todo o STF poderá sofrer com o novo desenho da Casa, não apenas o grupo que trabalhou para liberar Maia e se opôs à candidatura de Lira.
Por outro lado, ministros acreditam que devem ter no presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), um aliado no Congresso. O discurso moderado feito pelo senador na abertura do ano legislativo foi visto com bons olhos.
A CCJ e outras comissões devem retomar as atividades apenas depois do Carnaval. A ideia é que o retorno seja presencial, com sessões de terça a quinta, sendo sete comissões por turno.
Lira decidiu nesta quinta-feira organizar o retorno presencial dos trabalhos na Câmara. A intenção é que isso ocorra também após o Carnaval.
A primeira sessão, na próxima terça-feira (9), será remota, mas haverá a votação de uma resolução para adaptar a Câmara para a adoção de um sistema híbrido que permita a presença de um terço da Casa no plenário.
As bancadas deverão indicar na próxima semana quais deputados participarão presencialmente.