Gestão de resíduos pode influenciar na segurança de barragens
Considerada uma das medidas que poderiam reduzir o risco de tragédias na mineração, o aproveitamento dos rejeitos ainda é pouco explorado no Brasil. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade que representa as maiores empresas do setor que atuam no país, acredita que uma melhora desse cenário deverá se dar com a regulamentação do tema pela Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão que fiscaliza o setor no país.
A criação de parâmetros normativos é defendida como uma forma de dar segurança jurídica e, assim, estimular as empresas a caminhar nessa direção. "Estamos avançando. Novas tecnologias estão estão sendo desenvolvidas não apenas para aproveitamento dos rejeitos. Temos novos métodos de produção que reduzem substancialmente o volume de rejeito produzido, além das técnicas de tratamento a seco", avalia o diretor-presidente do Ibram, Flávio Ottoni Penido.
Aproveitar o rejeito de mineração em outras cadeias produtivas ajuda a reduzir o volume que é armazenado em barragens - técnica que contribui para minimizar os riscos de rompimentos, como os que ocorreram em 2015 na mina da Samarco em Mariana (MG), e no ano passado, em uma mina da Vale em Brumadinho (MG). Nas duas ocasiões, a onda de rejeitos que vazou causou mortes, destruiu comunidades e devastou o meio ambiente.
Tecnologias existentes já permitem o aproveitamento dos rejeitos para sua transformação em coprodutos que podem ser aplicados em diversas áreas. Há pesquisas avançadas que envolvem o uso de rejeitos na construção civil, como na fabricação de tijolos e pisos e no asfaltamento de estradas.
Um estudo desenvolvido no Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) concluiu em janeiro deste ano que mesmo a água do rejeito pode ser recuperada e utilizada novamente pelas mineradoras por meio de processos hidrometalúrgicos.
O assunto integra as discussões realizadas durante o Congresso Brasileiro de Mineração, que se encerra hoje (26). Por conta da pandemia de covid-19, foi uma edição com 100% de transmissão online, com mais de 70 painéis, palestras e minicursos e 250 rodadas de negócios.
Durante o evento, a ANM anunciou que está preparando a primeira minuta do eixo de sustentabilidade da agenda regulatória 2020-2021, que deverá tratar, entre outros assuntos, do aproveitamento de rejeito. O Decreto 9.406, assinado em 2018, já previa que o órgão disciplinasse o tema por meio de resolução.
Também foi permitida a criação de estímulos para que as empresas invistam no aproveitamento de rejeitos e resíduos da atividade minerária.
Em Minas Gerais, principal estado minerador do país, os dados do último Inventário de Resíduos da Mineração divulgado no ano passado pelo governo mineiro apontou que apenas 0,003% do rejeito gerado é reaproveitado. Outros países mineradoras já vivem uma realidade distinta. A China, por exemplo, tem como meta de governo alcançar o índice de 22% de aproveitamento de todo o seu rejeito mineral até 2022.
Em ações judiciais que moveu relacionadas às tragédias de Mariana e Brumadinho, o Ministério Público Federal (MPF) criticou as mineradoras por não investir no aproveitamento de rejeito por colocar o interesse econômico acima do ambiental. Em março de 2016, poucos meses após o rompimento da barragem na mina da Samarco, o MPF também emitiu uma recomendação ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão que posteriormente foi substituído pela ANM.
O documento defendia que fosse exigido das mineradoras a inclusão de metas de aproveitamento de rejeito nos seus planos de mineração, sendo que já em 2016, ao menos 5% deveria ser alcançado. O percentual deveria subir gradualmente até atingir os 70% em 2025. A recomendação do MPF, no entanto, não foi acatada.
Há duas semanas, a Vale deu alguns novos passos e anunciou a inauguração da Fábrica de Blocos do Pico, sua primeira planta piloto de produtos para a construção civil cuja matéria-prima principal é o rejeito de mineração. Instalada na Mina do Pico em Itabirito (MG), ela entrou em período de testes e, segundo a mineradora, deverá ser capaz de dar destinação sustentável anualmente a 30 mil toneladas de material que deixará de ser disposto em barragem. Serão produzidos pisos intertravados, blocos de concreto estruturais, blocos de vedação, placas de concreto, manilhas, blocos de vedação, entre outros.
Uma iniciativa apoiada pelo Ibram é o Mining Hub, que conta também com a parceria de diversas mineradoras como a Vale, a Anglo American, a Arcelor Mittal, a Gerdau, a CSN, a Usiminas, entre outras. Trata-se de uma iniciativa de inovação para fomentar startups que sejam capazes de apresentar novas soluções para o setor mineral.
Claudia Diniz, diretora executiva do Mining Hub, anunciou hoje (26) um novo programa realizado conjuntamente com Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Serão selecionados até 4 (quatro) projetos de produtos, serviços, processos ou modelos de negócio inovadores que apresentem respostas a quatro desafios: disposição de rejeito a seco, redução da umidade do minério de ferro na cadeia, reaproveitamento do rejeito e gestão de emissões de gases de efeito estufa.
A gestão de resíduos é um dos tópicos que constam numa carta compromisso assinada pelo Ibram em setembro de 2019. O documento foi apresentado como uma reação às tragédias ocorridas em Brumadinho (MG) oito meses antes e em Mariana (MG) no ano de 2015. São abordados outros assuntos como segurança operacional, barragens, mitigação de impactos ambientais, desenvolvimento de territórios, relacionamento com comunidades e inovação.
Durante o Congresso Brasileiro de Mineração, houve apresentação de um balanço dos compromissos assumidos. Segundo o Ibram, entre os avanços, está a adoção de parâmetros mais conservadores por parte das empresas para avaliação técnica dos riscos em barragens e a discussão de projetos voltados para assegurar garantias ambientais relacionadas aos empreendimentos minerários, inclusive com a possível constituição de um fundo com recursos privados para este fim.