Um novo estudo avaliou a efetividade (eficácia na vida real) da Coronavac e do reforço com o mesmo imunizante ou o da Pfizer frente às variantes delta e ômicron
A proteção contra a variante ômicron em indivíduos que receberam duas doses de Coronavac aumentou em até sete vezes após receber o reforço vacinal da Pfizer, mostra um novo estudo de pesquisadores brasileiros, ainda sem revisão por pares.
De dezembro a março, período de entrada e maior circulação da nova variante no Brasil, os indivíduos que receberam duas doses da Coronavac tinham apenas 8,1% de proteção contra Covid sintomática, indica a pesquisa.
Ao receber uma terceira dose da Coronavac (o chamado esquema homólogo, por usar a mesma vacina nas etapas), a proteção subia para apenas 15%, enquanto o reforço com Pfizer (esquema heterólogo, com vacinas diferentes) ofereceu uma proteção de 56,7% contra o desenvolvimento de sintomas de Covid.
Já para as formas graves da doença, as duas doses da Coronavac ofereciam proteção de 57,3%. Um reforço também de Coronavac aumentou essa proteção para 71,3%, enquanto o reforço de Pfizer elevou a proteção para 85,5%.
Esses são os principais resultados do novo estudo que avaliou a efetividade (eficácia na vida real) da Coronavac e do reforço com o mesmo imunizante ou o da Pfizer frente às variantes delta e ômicron. O pré-print do estudo, ainda sem revisão, foi divulgado na plataforma medRxiv na última sexta-feira (1°).
A pesquisa, coordenada por Julio Croda, infectologista e pesquisador da Fiocruz, é a primeira a avaliar a efetividade desses imunizantes e do reforço vacinal no contexto de duas variantes de preocupação mais transmissíveis e que têm sua ação na queda da imunidade das vacinas comprovada em estudos.
Para avaliar a efetividade dos imunizantes, os cientistas analisaram mais de 1,3 milhão de exames do tipo antígeno ou RT-PCR com resultados positivos de setembro de 2021 a março de 2022 em todo o Brasil e compararam com a mesma quantidade de exames com resultado negativo.
A efetividade das vacinas contra a ômicron foi analisada no período de 25 de dezembro de 2021 a 10 de março de 2022. Ela foi comparada com a proteção contra a delta, no período de 6 de setembro a 14 de dezembro de 2021.
A chegada da ômicron resultou em uma diminuição significativa da eficácia das vacinas em todo o mundo tanto contra a forma sintomática da doença quanto para proteger de hospitalização e óbito.
No caso dos indivíduos que receberam duas doses da Coronavac, sem reforço vacinal, a proteção contra o desenvolvimento de sintomas de Já com o reforço de Coronavac, a proteção contra Covid sintomática pela variante ômicron não apresentou um aumento significativo –cerca de 7%–, mas contra as formas graves, hospitalização e óbito houve um aumento moderado na proteção de 8 a 59 dias após a terceira dose, de 57% para 71,3%.
Em relação ao reforço com a Pfizer, uma dose extra no período da delta aumentou a proteção de 51% contra sintomas de Covid para 86,6%. Contra hospitalização e morte, o aumento foi de 86,7% para 91,7%, de 8 a 59 dias após a terceira dose.
Segundo Croda, o estudo é importante por ser o primeiro a avaliar a efetividade dos reforços em indivíduos vacinados com Coronavac frente à ômicron.
"Para a variante delta, há de alguma forma um aumento de proteção [com o reforço de Coronavac] tanto para doença sintomática quanto para hospitalização, ou seja, existe um benefício, mas no contexto da ômicron, esse benefício é bem marginal", afirma.
Para Croda, os dados da pesquisa poderão ajudar na avaliação de medidas públicas não só no país, uma vez que a Coronavac é usada também em outros países, como o Chile e na própria China, onde foi desenvolvida.
O pesquisador lembra que o artigo ainda aguarda uma revisão por pares e está sendo avaliado em uma revista internacional de prestígio, mas que o conhecimento produzido pode ser utilizado inclusive para guiar a decisão do reforço com a quarta dose.
Na conclusão do estudo, os autores afirmam que os achados reforçam as pesquisas que já indicavam uma maior proteção do esquema heterólogo de reforço e da necessidade de análises futuras comparando a efetividade com outras combinações de imunizantes.
À Folha, a Pfizer disse que não comenta resultados de estudos que não foram conduzidos pelo próprio laboratório.
Em nota, o Instituto Butantan, responsável pela Coronavac no Brasil, disse que o estudo de Croda e colaboradores apresentou uma redução da efetividade da Coronavac para ômicron de forma geral, queda também observada para outras vacinas.
"Mesmo com uma queda de efetividade do esquema homólogo, ainda apresentou efetividade alta, chegando a 71,3% contra Covid grave. É importante ressaltar que essas quedas de efetividade ocorrem com o passar do tempo com todos os imunizantes e que nenhuma vacina evita a infecção, e sim, casos graves e mortes", diz a instituição.
Em nota, o Butantan destaca ainda que outros estudos demonstraram a eficácia, a segurança e a imunogenicidade (capacidade de gerar resposta imune) da Coronavac em diversos lugares do mundo, incluindo no Brasil, em contextos com e sem a variante ômicron.
O Ministério da Saúde anunciou, no dia 23 de março, a recomendação da quarta dose contra Covid para pessoas com 80 anos ou mais. De acordo com a pasta, assim como para a terceira dose, a orientação é que o segundo reforço seja feito preferencialmente com a Pfizer e, de maneira alternativa, com as vacinas AstraZeneca e Janssen.
No estado de São Paulo, por outro lado, o PEI (Programa Estadual de Imunização) determinou que o reforço com a quarta dose seja feito com qualquer imunizante que estiver disponível, incluindo a Coronavac.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo afirma que a "prioridade do governo de SP sempre foi e será proteger e salvar vidas" e que "os imunizantes disponíveis na rede pública podem ser utilizados na estratégia vacinal de reforço em conformidade com as orientações do PEI".
"A Coronavac recebeu autorização da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para a imunização da população, assim como os outros imunizantes utilizados no país, comprovando que são seguros, eficazes e têm a mesma finalidade: proteger contra a doença e reduzir os riscos de infecções graves pelo coronavírus. O governo defende o uso da Coronavac e de todos os imunizantes", diz a pasta.
Já para Croda a decisão do estado de São Paulo "vai contra uma recomendação [do Ministério da Saúde] que tem base técnica. "Não faz sentido São Paulo insistir nisso. E considerando que qualquer imunizante provoca uma resposta menor [no sentido de efetividade] em idosos, a diferença com a dose de reforço de Coronavac nesse grupo foi ainda mais pronunciada", afirma.