A União Química, farmacêutica que pretende fabricar o produto em território nacional
Tratada nos bastidores do governo como a possível "vacina de Bolsonaro", a Sputnik V ganhou reforço no time que trabalha para emplacar o imunizante. A União Química, farmacêutica que pretende fabricar o produto em território nacional, contratou o ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Fernando Mendes para sua área de relações institucionais - nome oficial para quem faz lobby em Brasília.
Mendes foi contratado após cumprir quarentena de seis meses. Ele deixou o cargo na Anvisa em março de 2020, ao fim do mandato. Na agência, chegou a ser presidente substituto e diretor da área que trata de medicamentos e vacinas. Na União Química, se junta a caciques políticos que já atuam em favor do imunizante. Entre eles o ex-deputado Rogério Rosso (PSD-DF), ex-líder do Centrão na Câmara que se tornou diretor de negócios em 2019.
A empresa também costumava financiar campanhas eleitorais quando a doação era permitida. Em 2014, doou R$ 2,25 milhões para candidatos de PSD, MDB, PCdoB e PT em diversos Estados. O próprio dono, Fernando de Castro Marques, em 2018 tentou se eleger senador pelo Distrito Federal. Na ocasião, destinou R$ 5 milhões para bancar outros políticos, além da própria candidatura.
As conversas em Brasília envolvem tanto as negociações com o Ministério da Saúde quanto a defesa de mudanças nas regras para a aprovação dos imunizantes, o que levanta debates sobre prejuízo à análise de segurança e eficácia. Na semana passada, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou ao Estadão que iria "enquadrar" a Anvisa, numa declaração entendida por integrantes da agência como pressão política. No mesmo dia, o Congresso aprovou regra para que a agência aprove, em cinco dias, o uso emergencial de vacinas já autorizadas em outros países, como a Rússia.
A medida, caso entre em vigor, beneficia principalmente a Sputnik V. Para o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, a mudança torna a autoridade sanitária um mero órgão "cartorial", sem capacidade de análise. Ele avalia ir ao Supremo Tribunal Federal, caso a regra seja sancionada por Bolsonaro.
A alteração na lei, incluída pelo Congresso em uma medida provisória, ocorre no momento em que o governo é pressionado a ampliar o cardápio de vacinas no País. Ao Estadão, Rosso negou que haja pressão sobre a Anvisa ou Congresso para alterar regras e beneficiar a Sputnik V. Ele disse que a mudança proposta na MP, por exemplo, refletiu a "necessidade do povo brasileiro de ter mais vacinas".
A empresa ainda aguarda o aval da Anvisa para realizar a fase 3 de pesquisa. Além disso, quer permissão para uso emergencial de 10 milhões de doses de vacinas que seriam importadas da Rússia. Segundo técnicos da agência, o passo seguinte que a empresa pretende dar - a produção da vacina no Brasil - também exigirá minuciosa análise técnica.
STF
A pressão pela entrada da Sputnik V no Brasil também é feita por governadores, até de oposição ao governo. O governador da Bahia, Rui Costa (PT), foi ao STF para destravar a aprovação do imunizante.